Libertação, ou o Dilema de ‘Permanecer ou Sair’

O que nos leva a permanecer num relacionamento que já não nos traz amor, prazer, satisfação?

Será por ter medo de sair dele e enfrentar a solidão, ainda que por pouco tempo?

Será por ter medo de não saber o que fazer quando regressarmos diariamente a uma casa vazia?

Será por medo de não nos conseguirmos organizar sozinhos?

Será pela segurança que a rotina nos traz?

Será pelo ‘conforto’ que tememos perder, ou pelo estatuto que a vida familiar nos dá perante a sociedade e amigos?

Será pela inércia de quebrar o hábito e o medo do desconforto que o ‘desconhecido’ possa trazer?

Estas e muitas outras perguntas me têm deambulado na cabeça, quando tento perceber o que me manteve apegada durante tempo demais a um relacionamento vazio de sentimentos e afectos.

Porque sentiria eu paixão, por alguém que me ignorava completamente e porque não me conseguiria imaginar a viver sem ela?

Por apenas 2 escassas vezes ponderei sair da relação e até o comuniquei, mas logo na primeira saída à rua, para onde quer que me virasse, só via coisas de que a pessoa em causa gostava e tive que fazer um grande esforço para refrear o impulso, por forma a não voltar para casa carregada de presentes para lhe oferecer. Percebi então que não era o momento, continuava apaixonada.

Regressei então à conhecida, mas confortável rotina de permanecer num lar vazio de afectos, mas cheio de afazeres mecanicamente cumpridos, com tarefas realizadas de forma eficaz, para garantir a gestão perfeita de um lar, como se fosse uma empresa familiar – compras, refeições, filhos, limpezas… tudo articulado de forma eficiente, para não haver falhas, embora por vezes mais parecesse desarticulado, já que apenas podia contar comigo, pois o ”timming” da outra pessoa era sempre muito próprio e completamente desfasado da realidade das necessidades diárias do lar.

No fundo, vivia só, num projecto de vida conjunto.

No ambiente gélido que se vivia naquela casa, a que insistia em chamar de lar, não havia espaço para conversas, partilha de ideias, actividades em comum, ou partilha de momentos alegres ou preocupantes. Não havia espaço para troca de emoções, carinhos ou intimidades. Com o passar dos anos, até as horas de deitar acabaram por ser estrategicamente dessincronizadas, para que o leito comum não desse aso a algum desejo incontrolável, passando a ser apenas uma cama vazia de afectos, gelada de sentimentos, onde nada acontecia…apenas a tristeza de muitas noite sem dormir à procura de respostas, permanecia.

Porquê?

Porque continuava a viver uma relação que não existia, escudada por uma falsa paixão, por uma pessoa que… também não existia – era apenas fruto da minha idealização. A pessoa real não correspondia à menor das minhas expectativas.

E é aqui que está o busílis da questão! ‘Expectativas‘!!!

Apaixonamo-nos por alguém que idealizamos e tentamos que a pessoa real, ‘encaixe’, na persona, dessa idealização. E o pior, é que nem nos damos conta disto, pois é tudo inconsciente.

Passamos anos em piloto automático, sem perceber porque a cada momento nos distanciamos mais daquilo que nos seria saudável e que merecemos. Acabamos castigando-nos a cada dia, desrespeitando-nos, para permanecer no ‘conhecido’ e rotineiro, com medo de ousar colocar um pé que seja, fora da nossa zona de conforto em direcção à felicidade que é nossa por direito.

No meu caso pessoal foi um longo período de sofrimento auto-infligido inconscientemente, só para manter o que me era ‘familiar’. E porquê, para quê?

Foi o espectro do medo da eventualidade de não conseguir ser auto-suficiente para me cuidar e manter a mim e aos filhos, duma forma independente, satisfazendo todas as suas necessidades de apoio e sustento, pois a nível emocional já o fazia.

Contudo, hoje, quando procuro mais fundo dentro de mim, descubro que o que me aprisionava era o facto de estar perdidamente apaixonada pela imagem que idealizei daquela pessoa.

É duro afirmar, mais ainda mais duro reconhecer que podemos estar apaixonados pela construção mental, ou pela idealização que fazemos do outro, mas a verdade é que, apesar de ser inacreditável, na realidade ACONTECE!

Nós olhamos para o outro através dos nossos filtros da realidade, das nossas convicções e construímos uma imagem daquilo que gostaríamos que ele fosse. Depois, em consequência disso, recusamo-nos a ver todas as pistas que nos mostram que a pessoa que temos à nossa frente é uma ‘outra’ pessoa, diferente.

E sempre o foi, não obstante as suas qualidades e os seus defeitos, é uma pessoa com valor, mas diferente daquilo que ‘gostaríamos’ que fosse, por vezes para suprir as nossas próprias necessidades por falta, entre outras coisas, de amor-próprio.

E se tivermos a humildade de olhar para ‘trás’, percebemos que essas ´pistas´ já lá estavam presentes, bem no início da relação…pelo menos foi o que aconteceu comigo.

Então, mais uma vez me questiono…porque andei anos a fio a aceitar menos do que merecia?

Porque me contentei com o ‘menos mal’, quando poderia ter tido ‘o melhor’?

Porque decidi deixar-me perder nessa aventura de auto-sofrimento?

As respostas que hoje, na idade madura, me surgem, são que, à época, a minha imaturidade no que ao meu auto-conhecimento diz respeito, fazia com que eu pensasse que deveria procurar a minha realização e o meu merecimento no exterior e não dentro de mim.

Como diz a a tão emblemática frase, ‘Se eu não gostar de mim, quem gostará?’

Inconscientemente eu não me achava merecedora de afectos, porque não acreditava em mim, não me sentia digna e por isso exigia do outro aquilo que eu não me sabia dar ou reconhecer .

Com baixa auto-estima e carente de afectos, tornei-me dependente da validação externa. Não me sentia ‘suficiente’ e, também por isso, não acreditava que poderia ter uma vida digna, sem o apoio da outra pessoa.

Criei assim uma relação de dependência, de posse, onde exigia uma exclusividade de atenção com o foco em mim, uma vez que eu também vivia para o outro.

Exigia receber o que dava e cobrava, quando não tinha retorno. Ora, não há relação saudável que sobreviva a isto.

Foi no auge da dor, do sofrimento que resolvi dar o salto de fé para a mudança, arriscando no desconhecido, por achar que dificilmente o que estava para vir poderia ser pior do que o que tinha ( ou deveria dizer ‘não tinha’!), naquele momento.

O que aconteceu a seguir foi libertador. Como por magia, comecei a olhar para o mundo com outros olhos. Via a vida pintada de todas as cores, as cores de todas as possibilidades.

O meu estado de saúde melhorou consideravelmente, a sensação de liberdade, qual escravo que acabou de receber a sua ‘carta de alforria’, deu-me força para voar, para acreditar que conseguia, que era válida que era capaz!

Num período de 5 dias consegui o melhor emprego de toda a minha vida até ao momento. As insónias transformaram-se em noites de sono repousante e tranquilas.

A segurança e a felicidade de perceber que conseguia viver ‘pelos meus próprios meios’ e sentir a plenitude na minha própria companhia, deu-me força!

Essa força deu origem a uma viagem pelo meu ‘Eu’ interior, para me conhecer, para me perceber e perceber os outros que me rodeiam.

Os meus relacionamentos melhoraram substancialmente e aprendi a ver os outros como os meus espelhos e assim poder aperfeiçoar-me…mas isso é tema para um outro post!

  Helena Anjos

”Quer conhecer o amor da sua vida? Olhe-se ao espelho” – Byron Katie

 

”Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já têm a forma do nosso corpo e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares.

É o tempo da travessia: e, se não ousarmos fazê-la, teremos ficado, para sempre, à margem de nós mesmos.”

Fernando Teixeira de Andrade